Quando a ausência é presente

    Um sobrinho aguarda ansioso a chegada do seu tio. À leitura dessa frase, imagino que você tenha visualizado uma criança, em sua casa, olhando para a porta, esperando esse tio chegar. O tio, porém, demora, demora e não chega. Enquanto isso, do lado do sobrinho, acumulam-se expectativas.

    É sobre isso que fala o livro ilustrado “Meu tio chega amanhã”, de Sebastían Santana Camargo, publicado no Brasil pela editora Livros da Matriz, em 2020.

    Camargo é nascido na Argentina, mas vive no Uruguai, de onde sua família saiu, em razão de perseguições políticas. E esse livro traz um olhar sobre o que as ausências forçadas podem causar nas famílias. Com um traço cartunesco, em linhas pretas simples, Santana transfere para o leitor, ao passar das páginas, a expectativa que aquele sobrinho criou sobre a chegada do tio: queremos ver tudo o que aquele menino não pôde viver com seu parente, ao mesmo tempo em que ansiamos pelo desenlace da história (feliz, se possível).

    Conforme as páginas passam, expectativa e frustração alternam-se e vamos, de alguma maneira, nos preparando para um desfecho cru, sem floreios. Quem sabe, um sobrinho já crescido e não mais criança, consiga dar conta dessa barra. Talvez não. Podemos fazer companhia para ele até o fim da história, embora a vontade de deixar essa família partida esquecida também apareça: não olhar para não saber. Fingir ignorar. Talvez seja a saída mais fácil. Porém, como a História tem mostrado, esquecer certas coisas autoriza sua repetição. Lembrar, talvez, seja o melhor remédio, ainda que machuque nossas consciências. De qualquer maneira, a ausência se faz presente e impõe suas dores.

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